Homens em tempos sombrios

No livro "Homens em Tempos Sombrios" Hannah Arendt apresenta figuras humanas que sempre a fascinaram. O título do livro veio do poema de Brecht "Aos que virão depois de nós". Assim Brecht começa o poema ... "Eu vivo em tempos sombrios. Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez, uma testa sem rugas é sinal de indiferença. Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia...". Para Hanna Arendt, mesmo em tempos sombrios temos o direito de esperar alguma iluminação, "e que tal iluminação pode bem provir, menos das teorias e conceitos, e mais da luz incerta, bruxuleante e frequentemente fraca que alguns homens e mulheres, nas suas vidas e obras, farão brilhar em quase todas as circunstâncias e irradiarão pelo tempo que lhes foi dado na Terra...". Abaixo, o poema completo de Bertolt Brecht:

Aos que virão depois de nós


I

Eu vivo em tempos sombrios.
Uma
linguagem sem malícia é sinal de
estupidez,
uma
testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não
recebeu a
terrível notícia.

Que tempos são esses, quando
falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
está então inacessível aos amigos
que se encontram necessitados?

É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço
Dá-me o
direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a
minha sorte me deixa estou perdido!)

Dizem-me: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
se o copo de água que eu bebo, faz falta a
quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.


Eu queria ser um sábio.

Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Manter-se afastado dos problemas do mundo
e sem medo passar o tempo que se tem para
viver na terra;
Seguir seu caminho sem violência,
pagar o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!

II

Eu vim para a cidade no tempo da desordem,
quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo
da revolta
e me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas,
deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção
e não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.

III

Vocês, que vão emergir das ondas
em que nós perecemos, pensem,
quando falarem das nossas fraquezas,
nos tempos sombrios
de que vocês tiveram a sorte de escapar.

Nós existíamos através da luta de classes,
mudando mais seguidamente de países que de
sapatos, desesperados!
quando só havia injustiça e não havia revolta.

Nós sabemos:
o
ódio contra a baixeza
também endurece os rostos!
A
cólera contra a injustiça
faz a
voz ficar rouca!
Infelizmente, nós,
que queríamos preparar o caminho para a
amizade,
não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
em que o homem seja amigo do homem,
pensem
em nós
com um pouco de compreensão.

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Entre as figuras humanas que a fascinaram estão Rosa Luxemburgo, Martin Heidegger, Walter Benjamin e o próprio Bertolt Brecht. Para ela, falar sobre poetas (no caso - Brecht) era uma tarefa incômoda. "Os poetas são para se citar, não para se falar (...) A voz dos poetas , porém, concerne a todos nós em nossas vidas privadas e também na medida em que somos cidadãos... ".

Ela continua: "A relação dos poetas com a realidade é de fato o que Goethe dizia ser: eles não podem arcar com o mesmo peso de responsabilidade dos mortais comuns; precisam de uma dose de distanciamento e no entanto não mereceriam o pão que comem se nunca fossem tentados a trocar esse distanciamento por uma vida como a dos outros. Nessa tentativa Brecht marcou sua vida e sua arte como poucos poetas jamais fizeram; ela o levou ao triunfo e à catástrofe".


Vale a pena ler: Arendt, Hanna. Homens em Tempos Sombrios. Companhia das Letras, São Paulo, 1999.






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